domingo, 19 de outubro de 2008

O ensino na FEA. Alguns "acidentes"

A FEA adota livros-texto para muitas disciplinas. Isso é muito diferente da experiência anterior?
Pelo contrário. Antes, havia era uma competição. Como eu lia italiano, eu sacaneava o professor. Mas espigaçava mesmo. Porque ele também estava como eu, claro que mais velho e com mais leitura, mas lá isso era possível porque havia uma biblioteca, que sempre foi magnífica. Todo ano eu fazia uma doação para a Escola manter a coleção de revistas em dia. Porque a melhor coisa da escola era a biblioteca, o pessoal era muito ativo, as bibliotecárias eram muito ativas, então você pedia um livro e as coisas vinham, e a leitura dessas revistas era uma coisa interessante, porque sem ter a base, você estava no estado da arte. Você não sabia exatamente o que estava na revista. Mas sabia que estava na revista alguma coisa que você precisava saber.
Depois, quando eu deixei a escola, eu fui convidado pelo Bueno pra ser assistente. Primeiro fui assistente ex-aluno da escola, então nós começamos realmente a reunir os grupos e estudar alguns livros, o que fizemos durante alguns anos seguidos. O Allen – que é arqueologia, vocês nem devem saber de quem se trata –, o Economics do Samuelson. Assim formou-se um grupo que se profissionalizou. A Escola começou a sair fora do seu ambiente. Por exemplo, logo que eu me formei, o Bueno era um assessor da Bolsa de Mercadorias. Então, nós fizemos um grupo na Bolsa de Mercadorias e começamos a estudar o Brasil de verdade, concretamente.
Se você olhar bem, verá que todos os meus trabalhos eram sobre produtos brasileiros. Com uma indústria minúscula, naquela época o importante era conhecer o algodão, o café, de modo que havia uma certa inclinação para o estudo da realidade brasileira.
Uma das coisas que eu acho fundamental: a escola sempre foi dominada por uma idéia de desenvolvimento. Se você pegar os cursos, ele começava definindo mostrando o que você queria: construir uma nação, com rápido crescimento, pleno emprego, equilíbrio interno e externo, diminuição das desigualdades, num regime politicamente aberto. Havia uma orientação, por mais que uns se achassem marxistas, outros cientistas, o importante é que a escola era aberta.

O sr. acha que as cadeiras de História Econômica, Economia Política, estão perdendo espaço para disciplinas mais “matemáticas”?
O módulo pelo qual se julgam as coisas, inclusive a política econômica, é muito genérico. Vamos dizer: como é que sabemos se um imposto causa distorção? Então, usa-se um modelo de equilíbrio geral que te conduz a um equilíbrio paretiano. Na verdade depenou-se tudo, é uma coisa totalmente abstrata. Tirou-se toda a realidade dele, então você deduz que com preços adequados estamos num ponto ótimo em que ninguém pode melhorar depois que foi atingido. O problema é que aquele ótimo pode ser atingido com as mais diversas distribuições de renda. Pode ser atingido com igualdade de distribuição de renda ou com um sujeito tendo metade da renda. Portanto, obviamente, aquilo não passa de uma coisa muito informativa, interessante, mas insuficiente para julgar a política econômica de maneira absoluta. O grande drama é que você constrói o modelo e depois esquece as hipóteses. E aí, usa o modelo de forma inadequada, não só na micro como na macro também.
Na macro assume-se um agente representativo, ou seja, joga-se fora o que há de mais importante, que é a diferença. Tem um produto só, que é o PIB, mais uma simplificação. Então, constrói-se toda uma teoria e esquece um fato: ninguém sabe como mensurar o capital, não há uma medida razoável, principalmente quando você tem múltiplos produtos. E aí se esquece tudo isso. Você maximiza, faz uma programação dinâmica, tudo isso é formidável, porque te exercita, te torna um sujeito mais atencioso para as hipóteses. Na hora de aplicar é que as coisas ficam pretas, porque o sujeito se esquece que o modelo só pode cuspir fora o que antes você cuspiu dentro. Nenhum modelo descobre nada.
Houve um abandono da geografia e da história, e da história do pensamento. Talvez não um abandono, mas uma redução. Qual é a coisa hoje? Veja. Nós começamos esse processo de matematização na escola em 1967, antes disso até, com o livro do Allen, o Mathematics for Economics, que era básico. Não há nada contra a matemática. A matemática é formidável. Mas é uma linguagem, que você tem que usar como qualquer linguagem: existem regras.
O que eu acho é que falta uma informação maior sobre as instituições. Agora mesmo nós demos os seminários e percebe-se como as pessoas têm um conhecimento precário de como é que funciona o sistema tributário brasileiro. “É o pior do mundo”, “é o mais pesado do mundo”, mas as pessoas não tem noção de como funciona. Outra coisa é: quais são os impedimentos do crescimento? O que aborta o crescimento é falta de energia ou desequilíbrio em contas correntes. E isso é tão simples que, uma vez que você absorveu isso, o resto é muito mais fácil de entender. Você teoriza com mil hipóteses quando na verdade tinha que ter procurar na história. Só assim poderá entender porque o Brasil foi o país que mais cresceu no mundo ocidental da primeira metade do século passado até os anos 80 (só o Japão cresceu mais que o Brasil no Mundo) e perceber que toda a vez que abortou foi por uma das duas causas ou a combinação das duas: ou crise energética ou uma crise externa, em contas correntes.
Sem a história, você nunca vai deduzir isso. O curso de história era uma das boas coisas da escola. A Alice Canabrava era uma senhora historiadora e uma senhora professora – exigente como o diabo –, mas hoje eu tenho uma lembrança muito boa. Ela era realmente formidável.

A passagem do Sr. pela política, como ministro da Fazenda, por Brasília, colaboram para essa visão?
É outro acidente. Eu era simplesmente professor da escola, mas sempre combinei com uma atividade externa, fui assessor na Associação Comercial durante 25 anos. Na associação comercial havia um conselho que era muito interessante, porque depois da guerra imigraram pro Brasil algumas pessoas que tinham conhecimento de economia e também o conhecimento teórico: comerciantes, banqueiros, inclusive. De modo que havia debates sobre o que estava acontecendo no Brasil. Imagine que eu publiquei um artigo sobre taxa de cambio flutuante em 1952, fruto das discussões que já existiam na Associação.
No começo nós fomos para a Bolsa de Mercadorias, onde você sentia como funcionava a economia. Naquele tempo era a bolsa mais importante da América Latina, o algodão era muito forte. E pra lá traziam alunos e um pessoal que mais se instruía, pra essa aproximação com a realidade.
Foi um acidente. Eu nunca tinha pensado em ser político. O Laudo Natel era vice-governador e membro do Conselho da Associação Comercial, e nós nos conhecíamos muito, tinha um grande respeito por ele. Mas eu tinha ido, convidado pelo professor Bulhões para o Conselho Nacional de Economia, que era no Rio. Então fiquei conhecido do doutor Bulhões, do (Roberto) Campos, os quais já conhecia como professores. Fiquei como assessor ad hoc do Bulhões, porque minha especialidade era o café. Então houve uma intervenção em São Paulo e o Laudo que era vice-governador foi para o governo. O Bulhões e o Campos então disseram pro Laudo, primeiro falaram pro presidente Castelo Branco, que havia lá um sujeito que se distinguia, que tinha uma noção das coisas e que poderia ajudá-los se fosse Secretário da Fazenda. Aí o Laudo me convidou. Eis que acontece outro acidente. Eu sou Secretário e tem a eleição do Costa e Silva. O presidente pediu pra uma amigo nosso, o Rui Gomes de Almeida alguém para dar uma palestra sobre agricultura. O Rui era presidente da Associação Comercial do Rio, conhecido meu dos congressos, acabou me indicando. Eu nunca tinha visto o presidente. Fui lá, fiz uma exposição e voltei, continuando como Secretário da Fazenda de São Paulo. O Laudo saiu, continuou o Abreu Sodré, que me convidou pra ficar. Aí um dia eu recebo uma carta do presidente me convidando pra ser ministro. É o que eu digo: é o acidente. Daí pra frente as coisas foram diferentes e a formação da escola foi muito importante.
Quando nós começamos Café era sinônimo de câmbio, pois representava 70% de nossas exportações. Era uma tragédia: tinha uma geada, a demanda era muito inelástica, os preços disparavam, aumentava a oferta de divisas, o câmbio se valorizava, liquidava tudo que tava sendo feito no Brasil. O meu objetivo era acabar com isso e fazer o desenvolvimento.

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