domingo, 19 de outubro de 2008

Uma visão de Mundo. A economia no Brasil.

Um dos livros mais exigidos na formação do economista é O Capital, de Karl Marx...
O Marx tem sido a maior vítima dos marxistas. Nunca confie no que um marxista diz sobre Marx. Ele é muito maior do que todos os marxistas. Na verdade, o que é fundamental de Marx é a sua antropologia. O que há de importante nele é a combinação com a história, com a teoria. Ele é um cérebro poderoso. Sempre brinco que Marx é uma gaiola: se você não conseguir abrir a porta e sair, você fica marxista.

E como faz para sair dessa gaiola?
Digamos que Marx meteu um tijolo em toda a cultura universal. Hoje, todo mundo é um pouco kantiano, um pouco wittgensteiniano, um pouco humiano, um pouco marxista.
Por quê? Porque aquilo é um resíduo que ficou e que faz parte da cultura, mas ele não é uma Bíblia, ele não descobriu o Mundo. Ele realmente esclareceu uma boa parte do mundo. O esclarecimento da essência do capitalismo do Marx é insuperável.
Os marxistas pretendem voltar pra antes de Marx, enquanto o que precisamos é ser pós-Marx. Marx tem que ser digerido, metabolizado.
Em Marx você entende, por exemplo, o que realmente é uma organização de mercado. A maioria desses economistas que se consideram cientistas acham que o mercado é uma construção divina. Deus deu pro economista a oportunidade de ter um mecanismo pelo qual ele produz o crescimento. Na verdade, a economia, a teoria econômica, a economia política, é a possibilidade da civilização, não é a civilização. Só a economia de mercado pode conciliar uma sociedade eficiente produtivamente com a liberdade. O mercado é compatível com a liberdade, mas o mercado não é compatível com uma relativa igualdade. Não adianta; cada vez que alguém tem tempo pra sentar debaixo da árvore e pensar, ele diz “Por que é que eu sou diferente?”. Essa igualdade está lá no Platão, lá no Aristóteles. Ela é parte integrante desse processo. Esses três valores simultaneamente (eficiência produtiva, liberdade e igualdade) nunca serão atingidos, mas a política econômica tem que conduzir para a realização deles.
Isso é um fato concreto. Se você chegar para um economista e disser “Qual é a tua preferência revelada?” Ele diz: “99 de peso pro crescimento e 1 de peso pra igualdade de oportunidades”. Por que? Porque eu sei que daqui a 20 anos nós seremos tão ricos que este problema será resolvido pela força de gravidade. Só que tem um pequeno problema: existe um negócio chamado urna.
Você tem que saber o que a urna quer. Provavelmente a urna vai dizer: prefiro 50% de crescimento e 50% de distribuição. A tarefa do economista é construir a política ótima da preferência revelada na urna. Porque se você não faz isso, da próxima vez a urna fala o contrário e a sua política não tem continuidade.
Quem pensa que o (Evo) Morales é um acidente, é um idiota. O Morales é o produto da mais perfeita política de estabilização já concebida. A Bolívia fez uma estabilização em 1985, o Banco Mundial publicou uns 10 volumes, o FMI uns 100 trabalhos, mostrando as virtudes do equilíbrio monetário boliviano. O que o Jeffrey Sachs esqueceu: o índio! Quando abriu a urna, saiu o índio. O (Hugo) Chavez também, é o produto legítimo de 45 anos de um cleptocracia alimentada e esclarecida por uma política econômica extravagante.

Como que sua entrada na política como ministro influencia o Delfim economista? O que mudou?
Veio pra ele a possibilidade de pôr em prática o que vinha sendo discutido na escola. Quando eu saí, o café representava 10% somente. Já era um produto sem importância e o Brasil tinha crescido 10%, 14% ao ano, com inflação declinante e com controle da divida externa. Mas aquilo foi uma construção da história. Não foi inventado.
Penso que o estado tem um papel fundamental no processo de desenvolvimento econômico. Não existe nenhum momento histórico em que o estado não foi um fator decisivo pra realizar o desenvolvimento. De vez em quando eu ouço as críticas: o desenvolvimento coreano teria sido muito mais eficiente se tivesse sido feito com preços certos. Onde é que está o erro disso? Quem explicou o erro disso foi o Park (Chung-hee), que fez o desenvolvimento coreano. Em 1970 ele me disse: “Delfim, o negócio que você está fazendo é muito interessante, mas é muito pequeno. Eu vou construir a Coréia”.
O que acontece é o seguinte: o desenvolvimento é feito pelo Espírito Animal do empresário. Como é que o Lula pôs essa porcaria pra andar? Com uma idéia primitiva, que é a do PAC. Se alguém pensa que o PAC é um conjunto de projetos, até é, mas são desenhos, rascunhos, rabiscos, que estavam nas gavetas perdidos há 25 anos. Porque o Brasil perdeu a capacidade de investir. Quando a carga tributária era de 24%, o País investia 4% do PIB em infra-estrutura. Hoje a carga é muito maior e não se investe nem 1%. Qual é o avanço que o Lula deu? É mostrar que o desenvolvimento é fundamental, nós precisamos dele.
O mercado é uma corrida, uma competição. É um negócio que você pisa na cabeça do outro e vai em frente. Para uma corrida ser justa, ou moralmente aceitável, é necessário que as pessoas saiam do mesmo lugar e que tenham as duas pernas. Aqui está a igualdade de oportunidades, é na origem. Resultado final da corrida vai depender do estoque genético, da aleatoriedade do seu pai e da sua mãe, de uma porção de coisas. Nós estamos construindo 2 brasis, porque o filho do sujeito que não teve oportunidades reproduz a pobreza, reproduz a capacidade de não crescer. Esta combinação, este entendimento, é intuitivo. É por equalizar essas oportunidades que ele (Lula) está com todo esse prestígio, permitindo o desenvolvimento.

O sr. acredita que as soluções para os problemas do Brasil passam por uma atuação mais política e prática, ao invés de saídas idealistas e utópicas?
Não tem saída idealista nem utópica. Nós estamos num regime que está aí e vai continuar. Você tem que combinar o crescimento com esse tipo de distribuição.
O extremo de racionalidade não existe. O sujeito que trabalha comigo lá em Cotia tava comprando uma geladeira, numa loja que cobrava uns 18% ao mês de juros. E eu disse pra ele, “Ô, Zé, use a expectativa racional. Se você puder guardar um pouquinho disso na Caixa Econômica, daqui a dois anos você compra uma geladeira pela metade do preço”. “É, você tem toda razão. Só que eu vou ter que tomar cerveja quente vendo o meu Corinthians, né?!”
Existe uma troca física entre o presente e o futuro. a taxa de juros é uma espécie de mediadora do descasamento entre poupança, consumo e investimento. no brasil essa preferência pelo futuro é exponencial. Quer dizer, o sujeito quer tudo hoje.
A preferência do brasileiro é hiperbólica, há uma preferência pelo presente muito grande. Mas você tem que educar a sociedade, compensar isso. Se quiser acelerar o crescimento, tem que usar uma média geométrica razoável entre crescimento e distribuição. É a única coisa que te permite continuar. Se dermos muita ênfase ao crescimento, da próxima vez você leva uma trombada na urna e vem um maluquete querendo fazer distribuição. Aí quando estiver tudo esculhambado, aparece um outro querendo fazer crescimento.
Quando há o sufrágio universal – este é que é o ponto central –, o economista tem que pôr a urna no modelo. Não existe o ditador benevolente, não existe o déspota esclarecido. Todos os governos têm interesses profundos. O Lula vetou o fato de que as verbas entregues ao sindicatos devam ser controladas pelo TCU. É uma manifestação clara das limitações. Todo mundo sabe, o Mosca e o Mitchell??? já estudaram esse problema desde o século XIX: sindicato mais política é igual a corrupção.
Isso tudo é história. É geografia, história, filosofia, antropologia. É preciso uma visão mais ampla. Ninguém é contrário ao uso da matemática. A matemática, na verdade, é um poderosíssimo instrumento de esclarecimento, e a economia tem uma hipótese que é tão devastadora que ela se transformou na tal rainha das ciências sociais. A hipótese fundamental dela é que o homem é um egoísta dos diabos.
A psicologia foi destruída na base pelos economistas, pelo Jevons???. Hoje nós sabemos que a vingança na psicologia é terrível, ela está matando a teoria econômica. Por quê? Porque o homem não é o homo economicus. O homem é o homem mesmo, cheio de contradições, de confusões, que tem aspectos altruístas, mas o que predomina nele é o egoísmo.
“O egoísmo é a forma de fazer ciência do economista.”

Quais são os economistas brasileiros em que você se inspira?
Há muita gente com um papel importante: Gudin, Roberto Campos, Bulhões. O último era um economista extraordinário. Esse, sim, tinha um conhecimento de teoria e de realidade. Dos que conheci era o que tinha o maior domínio. O velho Bulhões era sofisticado. O Campos era um sujeito brilhante. O Gudin, lendo seu livro de teoria monetária, hoje em dia, se percebe que estava no estado da arte.
O Celso Furtado era um outro gênero, com mais história. O Mário Simonsen era absolutamente brilhante. Aí vão meia dúzia de sujeitos, pra falar dos mortos, que foram grandes economistas, cada um a seu momento. E alguns que não eram tão grandes, mas que tinham idéias muito boas: o Roberto Simonsen, por exemplo.

E os de hoje em dia?
Sobre os de hoje em dia eu não falo, porque fica deselegante. Na verdade, essa visão é uma visão pragmática. Eu tento acompanhar a teoria hoje em dia, mas não tenho mais agilidade pra fazer isso. E eu sou um pragmático, no fundo é isso. É você ter entendido que a teoria é fundamental, ela é um input essencial para você descobrir os problemas, mas que ela não é solução para nenhum problema.

Um comentário:

William Eduardo Marques disse...

Ótimo texto.

Na minha opnião o sistema econômico precisa ser revisto, ou ao menos mais protegido contra abusos.