domingo, 19 de outubro de 2008

FEA: Passado autodidata e Presente profissional

O senhor se formou na FEA em 1952. E no ano passado voltou à faculdade como professor emérito e com a série de debates. Qual é a grande diferença entre essas duas FEAs, a de ontem e a de hoje?
A diferença é enorme. A FEA da [Rua Dr.] Vila Nova era uma FEA estreita, num prediozinho velho, já com uma ótima biblioteca e cheia de autodidatas. Os professores eram autodidatas, talvez com a exceção de dois, o professor Hugon, que ensinava Economia Política, e o professor Stevens, que veio um pouco depois, que era de Estatística. Mas de resto, todos os outros professores ainda não haviam feito nada de tão importante.
A Escola começou, na verdade, em 45 e os professores foram nomeados por uma observação de currículos e eram todos autodidatas. Mesmo os de Economia. O Dorival Teixeira Vieira, que era o chefe do Departamento de Economia – nem existia departamento naquela época, eram várias cátedras, as cadeiras –, tinha se formado na Filosofia com o Paul Hugon. Mas era tudo muito recente. Mesmo professores de Direito, de Matemática, de Economia, de Geografia, de Filosofia, o grosso, estavam se formando também. A diferença é fundamental: hoje são profissionais, com cursos de doutorado, docência, até professor titular. A FEA é hoje uma Escola profissional.
A Escola sempre teve uma característica: sua abertura. Nunca foi uma escola fechada ideologicamente, até porque isso não teria o menor cabimento, por causa da própria natureza com que ela nasceu.

O sr. foi aluno da FEA e hoje é uma das pessoas mais influentes do país. Qual foi a participação da FEA e dos estudos na sua trajetória como formador de opinião?
Completa. O negócio da profissão é muito interessante: a gente não escolhe a profissão, ela é que te escolhe.
Originalmente, eu me formei contador. O contador não tinha nenhuma outra forma, só podia ir pra Economia. Mas a USP não tinha curso de Economia. Aí, como eu sou formado pelo velho modelo de contador, quando saiu a lei que substituiu a carreira, abriu a possibilidade de você se inscrever em qualquer vestibular.
E o meu destino era a Politécnica. Então eu fiz cursinho, já que a Matemática era a grande dificuldade naquele momento. Aí, o primeiro acidente: cria-se a primeira faculdade de ciências econômicas na USP. Fui prestar o vestibular na USP, mas eu não tinha condição de fazer um curso superior – eu trabalhava, minha família toda é lá de Cambuci, praticamente operários –. Então, eu fiz um concurso no DER-SP (Departamento de Estradas de Rodagem). Naquele tempo o serviço público era uma forma de dar tempo pra estudar, já que o expediente era de 6 horas. Eu entrei no DER-SP, depois entrei no vestibular da USP, e nunca mais fiz nada. Quer dizer, eu gastei 6 mil réis com um selo que quando você entrava na universidade era comprar esse selo pra eles colocarem no seu pedido de admissão. Depois vivi por conta da USP. Papel, lápis, as máquinas de calcular, os livros, tudo o que usei foi na verdade oferecido pela sociedade através da Universidade. E aí você se encontra. Eu realmente nunca trabalhei. Eu só vivi. Porque, digamos, a profissão me escolheu e eu fiquei muito feliz. Eu não tenho férias, eu não tiro férias, porque eu estou sempre lendo, trabalhando, de forma que eu nunca tive essa sensação de que é uma tragédia chegar na hora, é um problema. Eu abria a Escola todo dia às 6 e meia da manhã e ficava lá até as 9 horas da noite. Porque essa era uma forma de ser, de viver.
“Quando a profissão te escolhe e você aceita essa escolha, você não trabalha, você vive”.

Então, a FEA tem uma influência muito forte na sua carreira?
É lógico, porque lentamente foi-se formando na FEA um ambiente em que havia uma interação entre professores e alunos. Na verdade, num certo nível, os alunos estavam no nível dos professores, num momento de revolução na economia. A velha escola francesa que o Hugon trouxe, mais institucional, estava sendo substituída por uma renovação que acontecia nos Estados Unidos. O marco dessa revolução foi o livro do Samuelson, o Economics, que ia ser publicado lá em 1948 e chegou pouco tempo depois no Brasil.
Você tinha então três enfoques: o americano, mais moderno, com o Samuelson absolutamente encantado pelo keynesianismo. O francês, ligado ao Pigou, com livros muito extensos, de 3 ou 4 volumes. E a escola italiana, com Constantino Bresciani-Turroni, meio ressabiado quanto ao Keynes. Na verdade, essa combinação que produziu o aperfeiçoamento na escola. O curso de teoria de preços, o de teoria de valor, o de estatística, o de matemática, o de sociologia...
E assim a escola foi se fazendo, foi criando um ambiente de toda a universidade, com uma fofoca ali, uma fofoca aqui, quer dizer, isso deve haver até hoje e aí logo vão se dividindo. Mesmo assim, havia uma integração muito boa entre alunos e professores, e eu acho que a escola teve uma coisa muito interessante porque abriga profissões que realmente se complementam – a economia, a administração, a contabilidade e o curso de atuárias, que corretamente voltou a fazer parte do que a FEA oferece. De forma que se tem condições de abranger muito mais o universo econômico do que se você ficar preso à economia.

O senhor hoje é consultor e professor emérito da FEA. No ano passado realizou a série de seminários sobre o Brasil no século XXI. Como o senhor pretende colaborar ainda com a FEA ?
Estamos fazendo - eu, o Simão (Davi Silber) e o (Joaquim) Guilhoto – a nova série de seminários Estado da Arte em Economia, que terá 8 ou 9 encontros. Eu trarei psicólogos pra explicar para os economistas o que é a psicologia moderna e porque nosso homo economicus está desacreditado. Traremos um geógrafo pra explicar-nos porque a geografia é fundamental, um historiador para nos lembrar que não adianta ter teoria se esquecermos da história, um antropólogo pra explicar-nos que o Brasil é mais complicado do que parece. Queremos falar de teoria dos jogos, em suma, abrir esses horizontes...

Esse é o grande problema que o senhor detectou dessa primeira série de seminários?
Nem é um grande problema. Mas é a paixão pelo modelo. O modelo não é pra ser obedecido, é pra ser observado.

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