domingo, 19 de outubro de 2008

Delfim Político

A relação com o governo Lula. O presidente disse ter passado muito tempo xingando o senhor, mas que agora amadureceu...
Ele aprendeu. Demorou, demorou... Nós dois aprendemos. [Mostra caricaturas]. Aqui sou eu e ele aqui embaixo, em 1982; ali sou eu e ele numa reprodução do quadro do Rembrandt, "Aula de Anatomia" – mas o paciente sobreviveu.

Ao mesmo tempo o sr. é por muitos identificado como um conservador. Reinaldo Azevedo, em entrevista para a nossa edição anterior, classificou o senhor como conservador...
Eu sou um conservador. Eu conservo o que é bom. Só mudo o que não presta. Conservador é isso: a coisa mais absurda é o sujeito ter medo de ser conservador. O sujeito fica preocupado porque ele imagina ainda que a esquerda é o futuro. A esquerda, na verdade, não é nada. Não é nem sinal de trânsito.
A idéia de que a esquerda é a única defensora da igualdade é uma das coisas mais fantásticas do mundo. Receberam o monopólio da bondade. É uma coisa ridícula. As pessoas não sabem, mas eu comecei a minha vida como socialista fabiano. Só deixei isso quando estava no 2º ano da escola [FEA] e o Dorival me deu um livro do Stigler sobre teoria de preços. Quando eu li aquilo, eu pensei: “meu deus do céu, Delfim, como você foi burro”.

O que o Sr. diria a quem vincula a sua imagem ao regime ditatorial?
Isso é uma verdade. A última coisa que eu combato é a verdade. Agora, o regime ditatorial, em matéria de economia, nunca teve nenhuma importância.

Existe diferença entre a formulação de um plano econômico dentro de um regime de ditadura e um regime democrático?
Claro que seria um absurdo dizer pra você que era muito mais fácil fazer as coisas num regime democrático. Mas durante os 20 anos do regime autoritário foi mantido o mercado absolutamente livre. Se sentiu, sim, a pressão do problema ambiental em Tucuruí (hoje está nas mãos da Vale). O presidente do BIRD era o McNamara, que estava com remorso do que havia feito no Vietnã. Quando nós apresentamos o projeto, ele disse que não, “nós só entramos no projeto se, uma vez pronto, vocês respeitarem completamente o meio ambiente”. E foi a única forma pela qual se conseguiu financiamento. Hoje isso é geral.
Quando eu era criança, eu matava pardal, minha avó cozinhava e eu comia. Se você pedir hoje para um menino matar um pardal, ele se mata primeiro!
É a mesma coisa que fazer um processo de maximização apresentando maiores desigualdades, maiores restrições. Fica cada vez mais complicado, assim como ficam menores as possibilidades de solução. Até ficar zero. Então não se faz nada.
Isso tudo faz parte do próprio processo evolutivo. Não tem como eliminar. Não é porque tem a Marina Silva (substituída recentemente por Carlos Minc), é porque a sociedade recusa isso hoje. Nós estamos aos poucos adquirindo outro tipo de comportamento e isso deve fazer parte das restrições no modelo.
Alguém que esteja na mão do estado, não pode ser violado. E não é de hoje. É sempre assim. O fato de ter sido no regime autoritário obviamente é verdade. Mas no fim eu já estava fora. O problema é uma questão de concepção, saber se o desenvolvimento é feito pelo espírito santo, depois que se obedeceu aos neoclássicos, ou se o desenvolvimento é feito realmente com a ajuda do estado, acendendo o espírito animal dos empresários.
Por que eu me divirto muito quando eles falam em produto potencial ? Porque produto potencial é uma mistificação do arco da velha, pois ignora só um fato: o empresário !!! Nunca eles entraram numa fábrica. Não sabem que existe na verdade em cada fábrica uma massa de possibilidades de produção que não é utilizada. Porque é um processo de acomodação. Quando aumenta a demanda o empresário encontra mecanismos de acompanhar numa certa medida. Brasília está ressuscitando os arqueólogos da economia: um diretor do Banco Central redescobriu a Nairu (Non-Accelerating Inflation Rate of Unemployment) !!! E mais, que o espírito santo contou pra ele que a do Brasil é entre 7,8% e 8,3%. Isso é uma das coisas mais fantásticas do mundo. O sujeito descobrir que o Brasil não pode crescer mais do que 3,5%. Como é que calcula isso ? Como é que calcula o Capital ?! Prestem atenção pra esse fato. Essa é a coisa mais mistificadora que existe. O que é o Capital ? O capital é o trabalho morto, é o trabalho que já aconteceu, e só vive com capital vivo que se põe em cima dele. Portanto ainda que você conseguisse medir o capital, jamais trabalho e capital seriam ortogonais. Eles tem uma correlação, uma imbricação natural.
A única coisa que funciona na economia são as identidades da contabilidade nacional. Luca Pacioli construiu um sistema que é infalível, o débito tem que ser igual ao crédito.

Por que os economistas ignoram essa questão do empresário?
Porque é muito mais elegante pra mostrar no quadro negro: demonstrar a Regra de Ramsey aplicando equação diferencial estocástica. Mas falta dizer a verdade: tem um chato aqui que, se não agir, não acontece nada! Eles não põem o chato do empresário no modelo. Veja, por exemplo, a teoria dos ciclos reais do Lucas (que é um gênio e ganhou o Nobel), para o Lucas desemprego não existe, desemprego é um ataque de vagabundagem dos trabalhadores. E ele pensou que superou Keynes!

Em um de seus seminários, o senhor disse ao final de uma apresentação: “O modelo realmente é lindo, pena que se esquece da política”.
O processo é esse: é ótimo ter gente desenvolvendo teoria, porque essas pessoas dão inputs de problemas que você tem que conhecer para resolver na realidade. Mas ele não pode produzir a política econômica que você precisa. A política econômica é 10% de ciência e 90% de prática. É a política mesmo, no sentido clássico da palavra.

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