quarta-feira, 12 de março de 2008

Samba é que nem passarinho

A discussão dos direitos autorais já vem desde outros carnavais

JULIO LUCCHESI MORAIS

Quem viu o filme Noel - Poeta da Vila sabe bem que essa história de direitos autorais dá samba. Em tempos em que os compositores boêmios compunham suas canções em mesas dos botequins da Lapa, em rodas de samba ou, nas palavras de Ismael Silva, "perdidos pela orgia carioca", eram muito comuns os casos de furtos, cópias e malandragens com as canções que dali surgiam.

Até porque vender música era sinônimo de bom negócio: fosse através das ondas do rádio, já que todo mundo naquela época tinha (ou queria ter…), fosse por meio dos concorridíssimos concursos de marchinhas de carnaval ou ainda graças ao nascente mercado fonográfico com seus rudimentares toca-discos, os sambistas arranjavam boas fontes de receitas para manter sua boemia.

"Pelo Telefone", o primeiro samba a ser gravado, no ano de 1916, esteve envolto em grande rebuliço por causa dessa história de direitos autorais. Os freqüentadores da casa de Tia Ciata, gente como Pixinguinha e João da Baiana, juravam que a composição era coletiva, daquelas em que todo mundo ajuda um pouco, mas foi Donga quem registrou o som, valendo-se da máxima do colega e também compositor Sinhô: "samba é que nem passarinho, é de quem pegar".

O próprio Sinhô, por sua vez, foi acusado por Heitor dos Prazeres de ter roubado os sambas "Cassino maxixe" e "Gosto que me enrosco". Em vez de saírem no tapa ou na navalha pela autoria das composições, preferiram resolver suas diferenças em duelos de samba. Uma briga que, para alegria dos admiradores da boa bamba, rendeu excelentes canções.

Sinhô defendeu-se da acusação com "Segura o Boi", sendo devidamente respondido por "Olha ele, cuidado", que Heitor compôs em 1928. Antes de receber os 38 mil réis de direito, valor referente à gravação de "Gosto de que Enrosco", Heitor ainda alfinetou o oponente com "O rei de meus sambas", em que canta:

Eu lhe direi com franqueza
Tu demonstras fraqueza
Tenho razão de viver descontente
És conhecido por bamba
Sendo rei dos meus sambas
Que malandro inteligente!
Assim é que se vê
A tua fama, Sinhô
Desta maneira és rei
Eu também sou

Noel Rosa e Wilson Batista, protagonistas do mais famoso duelo de sambistas, que se iniciou com "Lenço no Pescoço", samba de Batista gravado em 1934, também estão envolvidos em curiosas histórias de direitos autorais; o duelo nada tinha a ver com a propriedade intelectual das canções. Tratava das diferenças sociais e econômicas entre o Noel, "Poeta da Vila", com sua casa em Vila Isabel, seu automóvel e o sucesso que obtinha contra o Wilson, um "João Ninguém", que a despeito de seu grande talento, não conseguia subir na vida, passando uma vida de apertos e dificuldades. O problema é que enquanto os rapazes brigavam, Francisco Alves, cantor conhecido por sua alcunha de o "Rei da Voz", conseguia inserir seu nome dentro de algumas composições, colocando-se como co-autor de vários sambas-canções dos dois.

Pois é… Parece mesmo que essa história de direitos autorais já vem desde outros carnavais…

JULIO LUCCHESI MORAES é autor de São Paulo Capital Artística: Cafeicultura e as Artes na Belle Époque Paulistana (1906-1922), pesquisa de iniciação científica feita com auxílio do CNPq e pretende publicar, no segundo semestre desse ano, sua pesquisa De Serrador a Cinemark: 100 anos de empresa cinematográfica paulistana pelo projeto Revista Controversa do Centro Acadêmico Visconde de Cairu.

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