quarta-feira, 12 de março de 2008

Convergência contábil

Saiba mais sobre o IFRS, o novo padrão que deve facilitar a vida dos investidores - e que pode deixar o mundo um pouco mais plano...

CARLOS EDUARDO QUINTEIRO

O Brasil se prepara para enfrentar mais um desafio imposto pela globalização de negócios, finanças, fluxos de capital e informações contábeis: o desafio da Convergência Contábil, que tem como principal objetivo a adoção das normas internacionais, as IFRS.

Até a década de 60, a contabilidade brasileira seguia o modelo italiano na elaboração de suas demonstrações contábeis e financeiras. A partir de então, houve uma migração para a escola norte-americana e tal mudança foi encabeçada pelo Departamento de Contabilidade da FEA-USP, liderado pelos professores Sérgio de Iudícibus e Eliseu Martins. Este marco deu à Contabilidade Nacional uma visão mais prática e menos teórica do modelo até então adotado.

Com a criação da Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976, conhecida como a Lei das S.A., o Brasil deu um passo fundamental para a concretização de seu mercado financeiro e ampliou por deveras as atribuições do contador, conhecido antigamente como guarda-livros.

Uma das principais mudanças da Lei foi a obrigatoriedade da publicação de algumas demonstrações, como a DRE (Demonstração de Resultados de Exercícios), por exemplo. Além disso, as empresas deveriam aplicar as mudanças impostas a partir de 1978, ou seja, foi oferecido a todos o prazo de um ano para adequação às novas regras.

Ao longo dos anos, a economia mudou, as finanças evoluíram, o mercado acionário conquistou importante espaço em todos os países e o Brasil não ficou para trás! Torna-se cada vez mais comum verificarmos a maciça entrada de capitais estrangeiros através da bolsa de valores e também o ingresso de pessoas físicas com quantidade variada de recursos investindo em ações.

A Contabilidade influencia o mercado como um todo, oferecendo ferramentas úteis para a tomada de decisões. Porém, não são somente os profissionais que fazem uso dessas poderosas
ferramentas. As universidades utilizam, trabalham, lêem e pesquisam constantemente relatórios, análises e balanços a fim de entender sua influência sobre o universo chamado “empresa”.

Através de pesquisas, dissertações, teses e outros estudos, a academia tem o intuito de auxiliar um mercado que clama incessantemente por novos dispositivos que colaborem para a tomada de decisão e a qualidade na formação de profissionais que estejam preparados para os infinitos “desafios” que os aguarda lá fora.

O Departamento de Contabilidade da FEA-USP sempre procurou, através da sua qualidade de ensino e pesquisa, os melhores meios de atender aos anseios da sociedade no que diz respeito à Contabilidade.

Em especial, o Professor L. Nelson Carvalho sempre esteve “antenado” sobre o contexto da Contabilidade mundial e foi um dos que introduziram na academia algumas siglas como IASC, FASB, IFRIC, SFAS, IFRS, IAS e tantas outras que despertavam não só a atenção dos alunos de graduação, mestrado e doutorado, mas também de profissionais que desejavam uma maneira harmônica e global para o processo de elaboração, leitura e entendimento das demonstrações contábeis.

Uma das entidades encarregadas de criar normas contábeis globais é o International Accounting Standards Board (IASB). Situada em Londres, a entidade tem o intuito de fazer com que, usando um chavão, “a essência prevaleça sobre a forma”.

Seu nome anterior era International Accounting Standards Committe (IASC) e criava as denominadas International Accounting Standards (IAS). Foram criadas mais de 40 IAS, sendo que algumas foram modificadas ou excluídas. As IAS mudaram de nome juntamente com o órgão emissor delas e passaram a se chamar International Financial Reporting Standards (IFRS).

Mas o que dizem essas normas? Basicamente, as IFRS (incluindo as IAS) introduzem uma série de conceitos difundidos até então conhecidos nos países da União Européia e outros tantos que já adotam as IFRS, também conhecidas como NIC (Normas Internacionais de Contabilidade). No Brasil, essas normas e conceitos, como fair value, por exemplo, são tratados mais no âmbito das pesquisas universitárias.

Após essa longa introdução, podemos tratar sobre o tema da Convergência Contábil brasileira às NIC. O Banco Central e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) baixaram resoluções determinando que a partir do ano de 2010 as empresas regidas por elas deverão publicar suas demonstrações contábeis no padrão IFRS.

Destaca-se o fato de que somente as demonstrações consolidadas das instituições reguladas pela CVM deverão ser elaboradas no novo formato no primeiro momento. Porém, é de vital importância que todas as demonstrações sigam esse padrão internacional que trará inúmeras vantagens - mais captação de recursos estrangeiros, maior facilidade na tomada de decisão, entre outras.

O Brasil se articula bem nesse quesito. Em 2005, várias entidades interessadas em melhor compreender o novo padrão criaram o CPC (Comitê de Pronunciamentos Contábeis), que tem como objetivo “o estudo, o preparo e a emissão de Pronunciamentos Técnicos sobre procedimentos de Contabilidade e a divulgação de informações dessa natureza, para permitir a emissão de normas pela entidade reguladora brasileira, visando à centralização e uniformização do seu processo de produção, levando sempre em conta a convergência da Contabilidade Brasileira aos padrões internacionais”. O CPC não possui poder de enforcement para obrigar que as empresas adotem os pronunciamentos elaborados, visto que a Constituição Brasileira não permite a delegação de poderes.

Por último, houve a aprovação em 28 de dezembro de 2007 da Lei 11.638, que altera alguns dispositivos da Lei 6.404 de 1976 e introduz no artigo 177, o §5º que diz: “As normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários a que se refere o §3º deste artigo deverão
ser elaboradas em consonância com os padrões internacionais de contabilidade adotados nos principais mercados de valores mobiliários”. Houve menção indireta ao CPC quando a Lei ampliou o artigo 5º, com o seguinte texto: “A Comissão de Valores Mobiliários, o Banco Central do Brasil e demais órgãos e agências reguladoras poderão celebrar convênio com entidade que tenha por objeto o estudo e a divulgação de princípios, normas e padrões de contabilidade e de auditoria, podendo, no exercício de suas atribuições regulamentares, adotar, no todo ou em parte, os pronunciamentos e demais orientações técnicas emitidas”.

Não levando em conta os aspectos contábeis e jurídicos, uma grande diferença entre a Lei 6.404 e a 11.638 é o prazo para adequação: enquanto a primeira obteve um prazo de um ano para adaptação, a segunda deve vigorar a partir do ano seguinte, ou seja, o ano de 2008.

E qual o papel dos alunos de graduação? É justamente destruir os chavões do mercado, aprendendo e colaborando com novas idéias, pesquisas e soluções para enriquecer esse difícil, mas não traumático processo. Não é obrigação apenas dos alunos de Ciências Contábeis, mas sim de todos os alunos de uma Universidade de ponta, como a FEA-USP, disseminar esse tipo de conhecimento e contribuir com a sociedade que, mais uma vez, clama por soluções e remunera de maneira gratificante seus maiores e melhores colaboradores.


Carlos Eduardo Quinteiro é graduado e mestrando pela FEA-USP, Professor Universitário e Sócio-Diretor da D+1 Consultoria de Negócios.
e-mail: carlos.quinteiro@dmais1.com

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns Carlos pela clareza que você abordou o assunto.

O Brasil atendendo a convergência contábil da lei 11.638 mostrará sua maturidade de país sério no contexto da globalização, sinalizando que no mundo dos negócios quem for transparente certamente terá a confiança dos investidores do mundo afora.

Wolney Caldas - Contador