quarta-feira, 12 de março de 2008

ENTREVISTA COM REINALDO AZEVEDO - PARTE 1

O governo federal deve intervir na área de comunicação? Ou seja, o Brasil necessita de uma TV pública nacional?
Não, não deve interferir de modo nenhum. A radiodifusão no Brasil já é uma concessão pública. A qualquer momento, havendo relevância, o governo federal pode solicitar a rede de rádio e televisão e falar o que bem entender. Ademais, já existia um sistema complexo de comunicação, que compreendia a Radiobras, a TVE e a Voz do Brasil. Ora, o governo só não é mais efetivo no uso desses instrumentos porque é incompetente, porque não sabe fazer uma programação que consiga conjugar qualidade com o interesse do público. Essa incompetência não é um mal deste governo, diga-se; é de todos os governos. Se comunicação estatal funcionasse e fosse efetiva para interferir no comportamento das pessoas, o comunismo não teria acabado na União Soviética e no Leste Europeu.

Eugênio Bucci, ex-presidente da Radiobrás, afirma em entrevista ao Estadão que “o sonho da TV pública é um sonho de 50 anos atrás, quando a Europa sai da Segunda Guerra debatendo de que forma o espaço público poderia ser protegido da colonização promovida pelo mercado e pelo capital”. Não há nesse argumento – repetido seguidamente por idealizadores e defensores do projeto – uma dose exagerada de doutrinação?
Há uma tentativa de doutrinação, mas é só uma tolice sem tamanho. Li o texto de Eugênio Bucci, a quem chamo de “Ego Genius”, em latim (risos). Não sabe o que diz. Esse negócio de “colonização promovida pelo capital” é uma leitura bocó de Habermas, que não é levado a sério na Alemanha. A última deste senhor é defender injeção de dinheiro público mesmo na imprensa privada alemã para impedir a entrada de capital estrangeiro no setor. É um idiota rematado, seguido bovinamente pelos nossos idiotas.

Como você avalia a criação da EBC (Empresa Brasileira de Comunicação) e seus subprodutos por meio de um artifício como a medida provisória?
Trata-se de um absurdo, de um escracho legal. O artigo 62º da Constituição é claríssimo: “Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei”. Pode-se até dizer que se trata de algo relevante — eu não acho, mas admito que há aí certa dose de subjetividade. Mas qual é a “urgência”? Isso faz supor que, sem a MP, poderia haver algum prejuízo para os brasileiros. De fato, prejuízo teremos é com a TV Pública. Oficialmente, ela vai custar R$ 350 milhões por ano. De fato, qualquer pessoa ligada à área sabe que não custará menos de R$ 800 milhões. E quem vai assistir àquela porcaria? Até agora, o que eles conseguiram foi derrubar a audiência da TVE: ela era de 1 ponto; agora, está com 0,5, quando não dá traço. É compreensível: entre assistir a um debate com Franklin Martins e Gilberto Gil e tomar uma injeção no olho, qualquer pessoa prudente prefere a injeção.

Afinal, o que é (ou o que será) a TV Brasil: uma TV pública, estatal, governamental? Na prática, que diferença isso faz?
Eles dizem que será uma TV Pública. Na prática, será estatal. A diferença é, em primeiro lugar, conceitual. Pode existir na prática também, mas não sei se o bastante para justificar a sua existência. Explico-me. Uma TV estatal é inteiramente gerida por órgãos do estado e fala em nome dos interesses desse estado. Vamos ver: na cobertura, por exemplo, da transposição do São Francisco, ela se dedicaria a explicar as razões estratégicas da decisão. Uma TV do governo dedica-se ao proselitismo de curto prazo e a incensar as ações oficiais, como faz Chávez na Venezuela. No caso do São Francisco, exaltaria as glórias de Lula. Uma TV Pública, como se pretende aqui, é financiada com dinheiro público, como as outras, mas teria um controle maior da sociedade civil, que estaria representada no seu Conselho, garantida a pluralidade. No caso do rio, os motivos do Estado e os do bispo seriam expostos — e foi o que fez a TV privada, diga-se.

E é aí que está o problema: a depender da formação do tal conselho, em vez de a sociedade estar representada, o que se tem são os amigos do governo. Pegue o caso do conselho formado por Franklin Martins. Há nele quatro ministros de estado e gente como Cláudio Lembo, Delfim Netto, MV Bill, Boni e um sujeito que fabrica carcaças de ônibus. Exceção feita a Boni, ninguém ali entende de TV. Em vez de representação plural, o que se tem é uma bagunça. É impossível fazer-se ali um debate qualificado. Resultado: a única maioria possível será a dos ministros. Logo, será governamental.

Mas esse aspecto ainda não é o mais deletério. Pegue-se o caso da TV Cultura de São Paulo, que se diz “pública”, gerida pela Fundação Padre Anchieta. É “pública” porque financiada com o dinheiro do público: eu pago, vocês pagam, todo mundo paga. Mas quem manda? O grupinho que se assenhoreou da Fundação. Nem o governo do Estado interfere lá pra valer. Vejam que curioso: o governante chega ao poder por meio de eleição; pode ser substituído. Na Fundação, quem manda é a corporação, mas com a nossa grana. Os governos passam, a Fundação Padre Anchieta fica, consumindo recursos, dando traço no Ibope na maior parte do tempo e criando bolor. Essa história de TV Pública é conversa mole. Trata-se apenas de um truque para preservar da ação democrática os interesses do grupelho.

Se o próximo presidente quiser fechar a TV Pública, mesmo com 70 milhões de votos nos ombros, ele não vai poder. Terá de se vergar à vontade de gente que não foi eleita por ninguém. Ademais, esses ambientes se tornam palco para a atuação do pior sindicalismo: o mais atrasado, o mais brucutu, o mais antimercado.

[Leia a entrevista com Reinaldo Azevedo - Parte 2 de 3 >>]

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